Um novo tipo de gelo (o Ice 0) foi descoberto por cientistas japoneses. A sua origem está na tensão superficial da água e a sua descoberta pode revolucionar desde o estudo das nuvens até à conservação de alimentos. Uma mudança de paradigma que transforma a forma como entendemos a congelação… e o futuro do gelo.
Durante décadas, os cientistas tentaram responder a uma pergunta tão simples quanto profunda: como a água realmente começa a congelar? De dentro, como acreditávamos, ou de fora? A resposta vem de Tóquio e é mais surpreendente do que o esperado. Investigadores da Universidade de Tóquio descobriram uma nova forma transitória de gelo, até agora desconhecida, que chamaram de Ice 0 (em português, “gelo 0”). Esta descoberta, publicada na revista Nature Communications, muda o que entendíamos até agora sobre o congelamento da água e promete aplicações que vão muito além dos laboratórios.
O gelo, mais uma vez, está no centro dos debates de todos os cientistas. E desta vez, sem precisarmos ir até a Antártida para encontrar novas descobertas.
Uma ponte oculta para o gelo que já conhecíamos
Ice 0 não é um tipo de gelo estável como o que usamos em bebidas (conhecido como Ice 1), nem um dos mais de vinte tipos de gelo exótico que se formam sob pressões extremas. É uma fase intermediária e efémera, quase fantasmagórica, que surge logo abaixo da superfície da água.
Utilizando simulações moleculares avançadas, a equipa liderada por Gang Sun e Hajime Tanaka observou como as moléculas de água se agrupam espontaneamente em forma de anéis. Estas estruturas mantêm-se durante breves instantes, formando o Ice 0, e atuam como uma espécie de «semente» que facilita a cristalização em gelo tradicional.
O fascinante é que este processo ocorre de fora para dentro, uma reviravolta radical em relação ao modelo clássico que assumia uma cristalização interna. O que o provoca? A tensão superficial da água, que gera uma pressão negativa precisamente na interface com o ar, criando as condições necessárias para que o Ice 0 floresça.
O que muda com esta descoberta?
Esta descoberta não é apenas um avanço teórico. Tem implicações muito reais em áreas-chave:
- Meteorologia: melhora a compreensão de como se formam os cristais de gelo nas nuvens e na neblina.
- Engenharia alimentar: pode otimizar os processos de ultracongelamento, mantendo melhor a textura e o sabor.
- Tecnologia de refrigeração: oferece novas formas de criar revestimentos que evitam a formação de gelo em sistemas de climatização.
Nas palavras do próprio Gang Sun, «os nossos resultados resolvem um debate científico de décadas e mostram que o gelo se forma mais facilmente perto da superfície em condições isotérmicas». Uma afirmação simples, mas com um alcance enorme.
O gelo nunca foi tão complexo… nem tão útil
Embora o Ice 0 não seja visível ao olho humano, a sua existência redefine a forma como entendemos um dos processos físicos mais comuns e essenciais do planeta. E fá-lo com a elegância da simplicidade: uma reorganização molecular, facilitada pelas propriedades intrínsecas da água, que acelera a passagem para a fase sólida.
Ainda falta a sua confirmação experimental com técnicas como a criomicroscopia, mas o modelo proposto pela equipa japonesa já está a inspirar novas investigações em glaciologia, ciência atmosférica e materiais avançados.
O gelo, esse companheiro silencioso do clima e da cozinha, esconde muito mais do que pensávamos. E graças ao Ice 0, agora sabemos.